Oly Jr.
FolkRockMilongaBlues

quinta-feira, 8 de março de 2012

A Milonga É O Meu Blues Regional

A milonga é o meu blues regional.
Esse trabalho é a minha reverência a dois artistas de suma importância pra minha formação musical. Bebeto Alves e Vitor Ramil.
Através deles aprendi a tocar milonga, já com a sua contemporaniedade intrínseca forjada por esses dois milongueiros urbanos que sem sombra de dúvidas revitalizaram o gênero, com ares
bossa-novista e rock n' roll. E eu, tentando me somar a essa linha evolutiva da milonga pampeana, injetei o blues de forma natural, como já o tinha feito no meu disco anterior intitulado "Milonga Blues".
Quando me veio essa idiossincrasia, eu estava estudando slide blues, ouvindo insistentemente Muddy Waters e Robert Johnson. E nos momentos de descanso, como o vento leva as folhas, fui levado algumas vezes, de forma natural e instintiva, a procurar uns discos do Bebeto e do Vitor no intuito de acalmar a minha alma e sair um pouco do transe do blues.
Achei o “Mandando Lenha” e ouvi algumas vezes. Visualizei o “Ramilonga” e o escutava olhando pro nada e lembrando a época em que adquiri esses discos.
Comecei a prestar atenção em coisas que antes me passaram despercebidas, talvez por conta da minha imaturidade musical. Coisas como um fraseado sonoro, estruturas musicais, letras e outros elementos que contextualizavam naquele momento. Fiquei sabendo, por exemplo, que algumas músicas do “Ramilonga” eram poesias musicadas de João da Cunha Vargas. E que as composições do disco “Mandando Lenha” eram de Mauro Moraes. A minha ignorância na época - meados dos anos 90 do século XX, minha plena adolescência - ou a falta de estimulo em conhecer a fundo um outro universo que não fosse o blues e o rock n’ roll, fez com que eu passasse batido por informações que, praticamente 10 anos depois, fizeram todo o sentido.
Ambos os artistas já tinham inserido algumas milongas e outros ritmos regionais em seus trabalhos fonográficos, mas os três discos em que o Bebeto se propôs a interpretar canções do Mauro Moraes, junto com o “Milonga de Paus” e o “Y La Milonga Nova”, seus discos autorais,
eram manifestos de como a cultura gaúcha, sem seus trejeitos caricaturais, pode ser misturada, atualizada e elevada à condição de força motriz para um desenvolvimento artístico contemporâneo. “Ramilonga” e “délibáb”, ambos do Vitor, também são projeções fenomenais de um futuro próximo, onde o folclore sulista é apenas uma janela para se enxergar o mundo.
A busca deles por um denominador comum entre a milonga e outras variações musicais, agora é a minha busca. A necessidade que eles têm de ter uma digital artística, uma estética peculiar,
tendo a cultura regional como ponto de partida e não de chegada, cruzando elementos contemporâneos no decorrer da “carretera”, de uns tempos pra cá, passou a ser meu objetivo. E através desse trabalho, batizado com o nome de “Milonga em Blue” por outro desbravador e idealizador cultural de suma importância para o cenário musical gaúcho, chamado Juarez Fonseca, presto uma homenagem aos meus mestres milongueiros, subvertendo os ensinamentos que me foram dados, mas contaminado da mesma ousadia, colocando um pouco de blues na
milonga, tornando minha música originária do Delta do Jacuí, juntando o Pampa com o Mississippi, solidão e melancolia traduzidas em versos, paisagens sulistas ao som de bordoneios e blue notes.
Oly Jr.
*fotos: Danilo Christidis / arte: Jonas Pereira

Ensaio Sobre A Milonga Blues





Ensaio Sobre A Milonga Blues

Este trabalho é enredado por duas concepções musicais que envolveram e se envolveram na minha vida ao longo dos anos. O Blues foi minha primeira escola musical, me dando todo o suporte e base pra entrar na guerrilha artística e sobreviver nesse caos sonoro. Através dele eu descobri a música contemporânea, me fez entender que o lamento de uma raça transformou em música as gerações futuras. A Milonga por sua vez, vem me cutucando desde sempre, antes mesmo de eu pensar em música, ela invadia meus ouvidos, acalmava minha alma e emocionava minha gente, despertava saudade por algo que eu pouco conheci. Mas era a tradução direta daquela mistura campeira, de uma linguagem sofrida e lapidada por duas línguas que debatiam-se nos lábios de meus ancestrais. Então, aconteceu algo que eu não consigo explicar exatamente, uma necessidade de buscar minhas origens, meu gosto musical, minhas lembranças, homenagear meus mestres, minha cidade, minha família, o amor da minha vida, uma forma peculiar de se expressar, enfim, apenas mais uma tentativa de sobreviver artisticamente através da forma mais sincera que um artista tem de exteriorizar seu pensamento: sua própria arte.
Em meados de 2008, eu completei 10 anos de carreira e precisava de um divisor de águas. Tinha acabado de lançar um disco coletânea de canções de minha autoria, de discos anteriormente lançados, pois achei que estava na hora de revisar minha obra, para recomeçar do zero. Uma nova etapa, novos conceitos, ou seja, precisava me desvencilhar de certas manias e quebrar
meus próprios tabus.
Depois de ter iniciado minha trajetória musical através do blues e com o tempo incorporando o rock e o folk, parecia que me faltava algo. Não sabia bem o que era, mas ficava dia e noite matutando, a fim de buscar um modelo sonoro, estético ou alguma cosa parecida, que me traduzisse de forma peculiar. Resolvi testar outras afinações no violão e achei que o blues
seria meu ponto de partida mais uma vez. Me encarnei no slide blues (um tipo de efeito sonoro, reproduzido por um cilindro de metal ou de vidro, encaixado no dedo, deslizando nas cordas de um instrumento, que no meu caso é o violão) e voltei a escutar os mestres do blues que usufruíam dessa técnica. Mestres como Muddy Waters, Robert Johnson, Elmore James, Mississippi Fred MecDowell, Tampa Red, entre outros.
Paralelo a isso, me bateu uma vontade de escutar coisas mais regionais. Mas um regional mais contemporâneo. Mesmo que minha escola musical tenha sido o blues, nunca deixei de escutar e tocar várias canções de artistas gaúchos que me fascinavam dentro do circuito musical sulista. Circuito esse, que eu sempre sonhei em me inserir.
Entrei numas de escutar com mais atenção os discos que o Bebeto Alves lançou com letras de Mauro Moraes. O trabalho do Bebeto, eu sempre acompanhei desde que eu entrei em contato com a sua obra. Mas esses discos eu nunca tinha parado para escutá-los com uma atenção especial. Os discos são: “Milongueando uns Troços”, “Mandando Lenha” e “Milongamento”. Comecei a ouvi-los direto e algumas canções me emocionaram muito, especialmente as
milongas. Algo aconteceu! Como eu estava atrás de alguma coisa diferente do meu contexto musical até então, e o fato de eu me emocionar escutando certas canções dessa parceria entre Bebeto Alves & Mauro Moraes, a milonga veio a calhar.
Dentre tantos estilos musicais do folclore gaúcho, sempre me identifiquei mais com a milonga. Desde piá, o único formato musical no meio de tantas canções nativas, a que eu facilmente identificava era a milonga. Achava tal concepção mais intimista.
Outro disco que eu já tinha escutado, mas também não tinha dado a devida atenção, foi o “Ramilonga” do Vitor Ramil. O Vitor é outro artista que eu sempre acompanhei, mas escutava mais suas baladas, assim como Bebeto Alves.
O que eu achava divino no Bebeto e no Vitor, era o fato de eles flertarem com a música sulista e contemporânea como se não houvesse separação. E hoje eu vejo que não existe essa separação. O que distancia os gêneros musicais são os preconceitos das mentes conservadoras. Aliás, uma de
minhas bandas preferidas, “Os Almôndegas” e a dupla Kleiton & Kledir, cada um à sua maneira, eram mestres na mistura do regional com a música contemporânea, mas o Bebeto e Vitor penderam mais pro campo da milonga.
Bueno, a única milonga que eu tocava no violão era uma canção chamada “Amigo Punk” da banda Graforréia Xilarmônica. Uma espécie de milonga bomfiniana, com a harmonia de uma milonga tradicional e uma letra bem porto-alegrense. Uma sátira muito bem feita por sinal. Mas o que me tocou mesmo foi a seriedade das ramilongas do Vitor e as milongas novas do Bebeto. A partir daí, me despertou a vontade de aprender os macetes de tal estilo musical.
Fui aos “trancos e barrancos” exatamente como comecei a tocar blues, ouvindo os mestres e tirando certas canções no violão e tentando entender suas relatividades.
Pensei em compor algumas milongas, mas tinha a sensação de que iria imitar meus mestres. Assim como eu componho blues em português e procuro passar minha vivência através das canções, justamente pra me diferenciar dos blueseiros americanos, fiquei dias pensando em como tocar uma milonga de forma peculiar. Foi quando me deu o estalo de tentar tocar uma milonga tradicional em um violão afinado para tocar um slide blues. Vi a luz! Chorei por alguns minutos, pois soube, na hora, que eu tinha “criado“ algo novo.
Falando mais especificamente de música, sempre vai haver alguma coisa artística em um determinado contexto musical. E era exatamente o que eu estava procurando. Algo artístico e peculiar dentro da música, não forçado e sim, natural. Pura idiossincrasia.
Vamos deixar claro o conceito de arte: Arte é a capacidade que o ser humano tem de transformar a idéia em matéria, se valendo de seu estado de espírito e de sensações para a criação de uma obra.
Sendo assim, qualquer tipo de criação musical, tem um conteúdo artístico que, independente do gosto pessoal de cada um, merece um minuto de atenção ou um pouco mais!!!
Enfim, quando eu resolvi entrar de corpo e alma nos estilos musicais que aparentemente são extremamente diferentes, buscando o conteúdo artístico mor de cada um, consegui juntar a milonga gaúcha e o blues americano... estava feita a “MILONGA BLUES”.
Agora sim, consegui botar minha digital artística na música!!! E isso por quê???
Porque segui o conceito de arte, citado ali em cima, conceito... isso sim e não o maldito preconceito!!!
A milonga transmite com intensidade através do seu bordoneio e da sua harmonia, a batida e o ritmo do coração. É o fio condutor das sensações da alma levadas para corpo. É pura sensibilidade. Um estado de espírito. As palavras em forma de versos iluminam e traduzem o povo sulista de uma América sofrida.
O blues, com poucos elementos, é capaz de traduzir o que todo mundo sente, não importa a cultura, a época ou a crença. Dor!!! E em virtude de sentirmos dor, procuramos encara-la com resistência, fé, lágrimas, esperança, sabedoria, pactos, risadas, sexo... e de alguma maneira, dar a volta por cima.
Oly Jr.
*fotos e arte: Jonas Pereira