Oly Jr.
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quarta-feira, 8 de julho de 2009


Meus Heróis Locais II...

Como eu já havia dito antes, a lembrança mais remota de uma legítima canção sulista que eu lembro de ter me influênciado foi "Canção da Meia-Noite" do Almôndegas. De lá pra cá as coisas foram acontecendo ao natural. Os discos foram aparecendo em casa e na medida que eu ia amadurecendo e criando, digamos assim, uma independência musical, e quando volta e meia sobrava um "arame", eu ia comprando os discos que eu ia descobrindo através do pessoal mais velho, como meus irmãos e seus amigos (eu tenho cinco irmãos mais velho e dois mais novos). Mas quem era mais ligado e praticamente me iniciou no mundo viciante dos vinis e me deu vários toques da linha evolutiva do rock, foi um de meus irmãos, chamado Érico.

Por causa de um vinil que vez em quando parava lá em casa, sim, porque o pessoal lá da zona sul, pelo menos nos arredores da Cavalhada, era meio duro de grana, quando alguém comprava um vinil, era praticamente obrigado a emprestar pra toda a turma. E ficava o vinil, uma semana, mais ou menos, na casa de alguém e o cara ficava escutando todos os dias, até enjoar. Claro que o cara pegava um emprestado e dava outro... e assim o lance virava um "toma lá, da cá" ferrenho... Mas como eu ia dizendo, numa dessas, chegou em minhas mãos um LP fundamental pra minha formação musical, artística e conceitual à respeito de muita coisa. Um disco chamado "Hein?!", do Nei Lisboa. Bah, ali foi loucura.
Esse disco me fez entrar de cabeça no blues. Por causa de uma música chamada "Faxineira". No encarte dizia que essa canção era inspirada em um blues de Brownie McGhee. Daí foi só alegria... ou blues... !?!?!?!?!?! E é nesse disco que tem umas das canções mais lindas e profundas que eu já escutei, "Telhados de Paris". Tinha também uma balada debochada chamada... "Baladas", entre outras canções que fizeram eu ficar dias e noites devaneando sobre elas. O disco "Carecas da Jamaica", também do Nei, não fica atrás... mas o "Hein?!" foi o primeiro que eu conheci dele... e o promeiro é o primeiro!!!!

Na mesma época, eu descolei um disco num sebo, chamado "Pegadas", do Bebeto Alves. Primordial... Nesse disco tem uma das músicas mais politizadas que eu já tinha escutado até então... e infelizmente continua atual. A música que dá nome ao disco, Bobdyliana... direto!!!! Por causa desse disco que eu ouvi falar em "batida reagge"... era a música "Depois da Chuva". Eu ouvia o pessoal comentando: "Bah! esse som tem uma batida reagge, saca??"... hehehehehe... bons tempos de descobertas. E depois fui atrás de um disco que tinha a canção "Notícia Urgente", que volta e meia eu escutava na rádio... era raro... mas de vez em quando eles rolavam. Era outro disco do Bebeto Alves que também se chamava "Notícia Urgente"... essa música eu tocava direto nas rodinhas de viola com a gurizada.

Eu era fissurado em lojas de vinis de segunda mão, ... ali eu ficava horas... batia papo com os donos das lojas e ia direto na discoteca da Casa de Cultura Mário Quintana, ouvir centenas de discos, sentado numa cadeira com um fone de ouvido.

Kleiton & Kledir já era clássico. "Deu pra ti" tá no inconciênte coletivo do portoalegrense. E o que dizer das baladas "Paixão" e "Nem Pensar"... maravilhosas!!! O disco "Tango" do Vitor Ramil... deusolivre!!! É outro disco que gastei ouvindo... Me fez prestar mais atenção em Bob Dylan e comprar o disco "Desire", do próprio Dylan, só pra conhecer a versão original da versão que o Vitor Ramil fez da música "Joey", que na versão de Vitor virou "Joquim". "Loucos de Cara" e "Sapatos de Copacabana" são músicas finíssimas, arranjos de primeira linha. Era um disco sofisticado pra época e sempre vai soar atual.

Aliás, Bebeto Alves, Kleiton & Kledir e Vitor Ramil, eram os exemplos mais vivos de que era possível... e ainda é, misturar a concepção musical daqui do sul com idéias contemporâneas.

Junto com esse pessoal que acabei de citar, eu ouvia também, com a mesma intensidade, bandas como TNT, Cacavelletes, Garotos da Rua, Taranatiriça, Bandaliera... era o lance rock 'n' roll da cidade.
Era o lado "foda-se"... "o négócio é rock 'n' roll rapaziada"... Era uma ingenuidade gostosa...
Essas bandas do rock, retratava mais a realidade da gurizada de meados da déacada de 80 até o início da década de 90, da minha adolecência.

Mas o rock é isso aí... é pra se conectar com a gurizada. O rock é o símbolo da juventude... "do it yourself"... "vamu lá locaiada, vamu azucrinar, vamu ser du contra, vamu dizer as coisas na lata da galera"... o rock é direto, tem algumas metáforas, mas é direto...

"Tô de Saco Cheio" da Garotos da Rua, "Não Sei" e "Cachorro Louco", da TNT, "Campo Minado" da Bandaliera, "Rockinho" da Taranatiriça, "Jessica Rose" e "Menstruada" da Cascavelletes...
Eram símbolos da resistência juvenil, o negócio era entrar de sola... eu absorvi muito tudo isso...
Mas por incrível que pareça, foram as baladas dessas bandas de rock que mais me tocaram...
"Eu Já Sei" da Garotos da Rua, "Sob Um céu de Blues" da Cascavelletes, "Nosso Lado Animal" da Bandaliera, "Nunca Mais Voltar" da TNT e por aí vai...

E no meio disso tudo ainda tinha a banda Engenheiros do Hawaii, que fazia rock com letras de conteúdo mais elaborado. E um artista que eu escutava direto e que eu não era capaz definir como "rock gaúcho" nem como um tipo de música sulista, com pensamentos contemporâneos mas com raízes no pampa, nos casos de Bebeto Alves, Kleiton & Kledir, Vitor Ramil, Almôndegas... era o Julio Reny!! Um lance urban!! Na real era um calderão de influências... desde o folk rock americano até o rock clássico, com pitadas da música latina, rhythm 'n' blues, country... e uma maneira de cantar e falar diferente dos demais. Pai do underground portoalegrense, poeta maldito, respeitado e admirado no circuito musical gaúcho. Quem frequentava o bairro Bom Fim ouvia as rádios locais e ia à shows no Ocidente, ouviu falar em Julio Reny e escutou em alguma ocasião as músicas "Não Chores Lola", "Amor e Morte", "Cine Marabá"... e mais tarde no Cowboys Espirituais fazendo sucesso com "Jovem Cawboy" e "O Mundo é Maior que o teu Quarto"...
O disco "Julio Reny & Expresso Oriente" é clássico dos clássicos... obrigatório ter na prateleira no setor de artistas sulistas.

E é bom saber e presenciar que a maioria deles continuam trabalhando... buscando novos horizontes... criando obras atuais que não perdem em nada pra obras passadas... emocionando novos ouvintes e se afirmando cada vez mais perante antigos súditos... é bonito de se ver!!!

E digo mais!!! Esses caras que eu citei aí em cima, me influenciaram mais do que qualquer outro artista internacional ou âmbito nacional!!!
Porque muitos deles eu tive o prazer de conhecer, de bater um papo, trocar idéias!!!
Pude ver com meus próprios olhos, shows memoráveis...
E principalmente porque o que eles diziam, parecia que era diretamente pra mim. Eles passaram pelas mesmas ruas, pelos mesmos bares, sofreram as mesmas angústias que eu... vibraram suas conquistas..., sonharam os mesmos sonhos que tenho hoje... cantaram pra esse povo e sobreviveram artisticamente num país, onde a política deturpada inpera e distorce o verdadeiro sentido social de uma população.

Devo muito minha diretriz artística à eles!!!

Eles tiveram uma grande parcela na minha formação musical e pessoal, aprendi a ser um cidadão do mundo, brasileiro nato e gaúcho por excelência.

Vida longa aos meus mestres regionais!!!

Até...
Foto: Capa do disco "Paralelo 30".

segunda-feira, 6 de julho de 2009


"Meus Heróis Locais I"

Bom, tudo começou quando eu ouvia por tabela, um LP da novela Saramandaia, que foi exibida na Rede Globo em 1976. Como eu nasci em 1977, obviamente não acompanhei na íntegra a tal novela global, de muito sucesso por sinal... só sei que alguns anos depois, lá pelo iníco da década de 80, eu sempre escutava essa música lá em casa. Minha mãe, que era chegada numa novela, quando sobrava um troco, comprava os LP's ou fitas K7's das trilhas sonoras das novelas. E isso ficava lá na sala, a disposição de curiosos que nem eu... piazito medonho tentando descobrir as coisas na marra...

E quando eu era piá, eu tinha um certo medo de uma música que rolava de vez em quando no rádio e que todo mundo cantarolava justamente a parte que eu mais temia... " o vampiro, o lobisomem, o saci-pererê..." e que tinha nesse LP, da trilha sonora de Saramandaia. A tal música?? "Canção da Meia-Noite"!!
Creio até hoje que muita gurizada tremia os cambitos quando escutava essa música.
"Canção da Meia-Noite" é uma música do conjunto musical "Almôndegas", e que foi lançada num LP chamado "Aqui", segundo disco do conjunto que estourou nacionalmente (coisa rara para artistas do sul do país) e que tinha como integrantes mais famosos, Kleiton & Kledir, que mais tarde formaram uma dupla musical de respeito e que continuou o legado do Almôndegas no circuito nacional.

Bem, o fato é que essa música (Canção da Meia-Noite), composta pelo grande compositor e guitarrista Zé Flávio, me despertou para eu adquirir um certo conhecimento e pesquisar a respeito de artistas sulistas.
Na medida em que eu me interessava mais sobre música, crescia também o orgulho gaúcho, não o bairrismo, mas o orgulho mesmo. Cresci num ambiente em que a cultura local era tão valorizada quanto a internacional e a nacional. E quando eu me emocionava com alguma canção, no fundo eu sabia que emoção é emoção... independente da onde vem...
Se eu era capaz de sentir algo ouvindo Bob Dylan, eu também comparava o tipo de sentimento que me atingia ouvindo Nei Lisboa... era normal eu cantar e dançar ao som de Beatles, Rolling Stones, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana... e da mesma maneira azucrinar ao som de TNT, Cascavelletes, Garotos da Rua, Engenheiros do Hawaii...
Na minha cabeça, Julio Reny, Bebeto Alves, Kleiton & Kledir, Vitor Ramil, Almôndegas, Nelson Coelho de Castro... não perdiam em nada, em termos de concepção e arte, para Neil Young, Lou Reed, Caetano Veloso, Gilberto Gil... claro que as vezes eu percebia diferenças tecnológicas e sonoros, mas em termos de valor criativo e emocional, tudo era igual... quando uma música toca o coração e instiga a tua mente, não importa da onde ela vem... ponto pra quem a compôs, cantou e tocou...

A verdade é quando eu comecei a me dedicar à música, a vivê-la... em algum momento da minha vida eu li em algum lugar um conceito que até hoje me faz refletir à respeito do processo criativo, mas também até hoje eu não consigo me lembrar em que circustância eu li, não lembro exatamente as palavras que foram usadas... quem falou, quem publicou, onde, quando... resumindo, era mais ou menos assim:

"Cante a sua região, sua vivência, o que te foi passado ao longo dos anos... misture com seus sonhos... tente sentir a atmosfera artística de onde você se encontra... traduza o momento social onde você está inserido... bote pra fora suas angústias, seus medos, seus desejos... e quando ao final de cada canção, você se emocionar e sentir uma satisfação interior, é porque você conseguiu por si só, criar um processo artístico de valor internacional e insubstituível."

É por aí...

Até...
Foto: Capa do Livro "Som do Sul" de Henrique Mann.